sábado, 14 de março de 2009

O sentido do sofrimento humano

O sofrimento faz parte do mistério do homem. Existe um mistério e um drama no sofrimento humano. O sofrimento parece pertencer à transcendência do homem; é um daqueles pontos em que o homem e a mulher estão, em certo sentido, chamados a superar-se a si mesmos. O homem, desde que o mundo é mundo, sempre se questionou sobre o sentido do sofrimento. O sofrimento e a alegria são inseparáveis. Alternam-se na vida. São a vida. Vivemos, nos dias atuais, o que foi chamado de cultura de morte. Nela, a vida humana perdeu seu significado. Do outro lado, vivemos numa sociedade hedonista ou civilização dos desejos, na busca desenfreada do prazer evita-se a todo custo a dor e o sofrimento. O não enfrentar e vivenciar os sofrimentos pode resultar em desequilíbrio. Aquilo que não é resolvido em nível consciente fica no inconsciente surgindo posteriormente com mais força. A dor e o sofrimento fazem parte da existência humana. Não se trata de uma apologia do sofrimento, mas de afirmar a sua inegável realidade e a sua inevitável presença no horizonte humano. Cada dia somos bombardeados com a idéia e a suposta solução de uma vida prazerosa, hedonista, livre de sofrimentos e pesar. Se você dirige determinado automóvel, ou se toma determinada bebida, se usa este creme contra o envelhecimento ou viaja para aquela praia da moda, enfim, parece haver tantas maneiras de se chegar a experimentar a plenitude do prazer terreno isento de sofrimento que é tolice sofrer, fazê-lo como se a pessoa realmente fosse um ser humano. É que curiosamente esquecemos a nossa própria realidade humana, a esvaziamos. Nós a esvaziamos de valores. O homem e a mulher modernos, principalmente os jovens, não sabem lidar com suas limitações, não sabem o que fazer com suas dores e frustrações. Eles têm grande dificuldade de enxergar algo além das suas próprias necessidades. Nesse ambiente, a alienação social, a busca do prazer imediato, a agressividade e a dificuldade de se colocar no lugar do outro se cultivam amplamente. Vão perdendo a capacidade de transcender as suas ordens. Os que têm medo do sofrimento são os que têm mais dificuldades de superá-lo. Às vezes a dor física pode ser um meio de manifestar através do corpo os afetos e sofrimentos não expressos verbalmente. São os conflitos interiores e as angústias reprimidas. Quando se possui uma fé madura e um sentido positivo da vida, capitalizamos o sofrimento para crescer. O que significa optar por enfrentar positivamente o sofrimento. Não podemos vencer a dor fugindo dela, porque mais cedo ou mais tarde vamos nos encontrar com ela inevitavelmente. Mas poderemos vencê-la aceitando-a, mais ainda, desejando-a, não por ela mesma, pois isto seria masoquismo, e sim porque é uma ocasião de obter um maior crescimento pessoal. É fundamental saber sofrer pelas razões certas. Sofrer pelas razões certas significa que estamos em contato com a realidade, que o corpo e a alma sentem a tristeza das perdas e que existe em nós o poder do amor. Só não sofrem, quando para isso há razões, aqueles que perderam a capacidade de amar. Existem pessoas que no sofrimento fecham-se em si mesmas, quando o ideal é confiar em alguém. A confiança é algo extraordinário; não sou mais prisioneiro dos meus sofrimentos e de minhas dificuldades. Existe alguém que me compreende e me ama. É necessário aprender a sofrer porque a verdadeira ternura se forja quando se compartilham alegrias e sofrimentos, prazeres e dores. Muitas pessoas não estão preparadas para o sofrimento, visto que foram acostumadas desde crianças a ver tudo correr como lhes agrada. Por isso os pais de família devem inculcar nos filhos a cultura do esforço e prepará-los para que aprendam a lidar com o sofrimento. Por isso vamos encontrar com freqüência sempre maior número de jovens que não querem esforçar-se nem lutar, de tal maneira que no dia em que o sofrimento os visita, longe de aproveitar a experiência de maneira positiva, procuram resolver a dor através de um caminho equivocado: depressão, álcool ou drogas. Como a pura razão jamais poderá explicar suficientemente as causas do sofrimento, torna-se indispensável cultivar a fé. Diante do sofrimento, uma fé sólida é um dado vital para aproveitar a experiência e crescer. Escreveu Viktor E. Frankl: «a vida só adquire forma e figura com as marteladas que o destino lhe dá quando o sofrimento a põe ao rubro». José Pereira da Silva é professor de história, doutorando em História Social das Religiões - 16/09/2003

Os 80 anos da Criação do Estado do Vaticano

O Vaticano está completando 80 anos de fundação,que se deu com o Tratado de Latrão,em 11 de fevereiro de 1929.Em seus começos,o “Estado da Igreja” era formado por um conjunto de pequenos domínios(patrimonial) doados por reis e senhores à Igreja. Durante o processo de unificação da península,a Itália gradativamente absorve os Estados Pontíficios.
Em 1870,as tropas do rei Vítor Emanuel II entram em Roma e incorporam a cidade ao novo Estado.Em 20 de setembro de 1870 com a declaração de guerra contra a Prússia,a França retirou suas tropas de Roma.Imediatamente,pra garantir a segurança da Santa Sé,as tropas italianas invadiram o Patrimônio e se apresentaram diante de Roma.Depois das primeiras escaramuças,o Papa ordenou que a resistência cessasse,se rendendo para evitar mais derramamento de sangue.As tropas italianas ocuparam Roma e desarmaram o exército pontifício.O Papa se refugiou entre os muros da Cidade Leonina,recusando qualquer acordo,e declarou que estava sofrendo violência e que se considerava como um prisioneiro no Vaticano.Os Estado Pontifícios deixaram de existir.Era o início da chamada questão romana(disputas entre o Estado e a Igreja),com o protesto do papa e sua recusa em reconhecer o Estado italiano.
Em 13 de março de 1871,Vítor Emanuel ofereceu como compensação ao Papa Pio IX(1846-1878) uma indenização e o compromisso de mantê-lo como chefe do estado do Vaticano,em bairro de Roma onde ficava a sede da Igreja(as leis de garantia).Em junho de 1871 Vítor Emanuel estabeleceu sua residência no Quirinal,onde outrora haviam morado os Papas,ficando o Papa no Vaticano.
Aos 06 de fevereiro de 1922 foi eleito o Papa Pio XI(1922-1939),que conseguiu uma solução para Questão Romana.Benito Mussolini,o Chefe do Governo,percebeu a grande conveniência política de conciliar a Itália com o Vaticano.As negociações levaram dois anos e meio,terminando com a assinatura do Tratado do Latrão aos 11 de fevereiro de 1929,que encerrava sessenta anos de querela entre o Vaticano e o Quininal.A assinatura dos acordos de Latrão entre o governo de Benito Mussolini e o papa Pio XI regularizam as relações com a Itália.Com isso nasce a cidade do Vaticano.A história da criação jurídica da cidade do Vaticano como Estado autônomo é indissociável Da história da nação italiana.
Esse Tratado reconhecia a absoluta soberania do papa sobre a pequena Cidade do Vaticano,que é o menor de todos os Estados independentes(0,44 Km2).AO Vaticano tocaria o direito de representação diplomática.O papa,de seu lado,reconhecia o reino da Itália sob a dinastia de Savoia e com a capital em Roma(reconhecia,portanto,a secularização dos antigos territórios pontifícios).Além da Cidade do Vaticano,o Pontífice dispõe de lugares extraterritoriais,como as principais basílicas de Roma,edifícios da Cúria,a Vila de Castel Gandolfo.Num acordo separado,o Estado italiano se comprometia a pagar à Santa Sé a quantia de 1.750 milhões de liras a título de indenização.
O Papa Pio XI considerou a criação do Estado do Vaticano como algo necessário ao exercício de suas atividades e de sua missão.Como qualquer país,o Vaticano tem território,um sistema de governo,constituição e cidadãos.Mas a sede da Igreja Católica é bem diferente da maioria dos estados nacionais,não só pelo seu tamanho mas também pelas características únicas do Estado Pontifício. O Vaticano tem relações diplomáticas com um grande número de países do mundo.A maior coleção de arte do mundo,os Museus do Vaticano conservam obras-primas da arte em pintura,esculturas e em sua própria arquitetura.Milhares de manuscritos e livros raros fazem da biblioteca do Vaticano uma das mais preciosas do planeta.Uma coleção única que cobre de manuscritos da Antiguidade e Idade Média a edições raras inestimáveis.Uma verdadeira memória do mundo.

3/02/2009 Prof.José Pereira da Silva

Tempus Fugit: Valorizar o tempo

“Se ao menos eu tivesse mais tempo no dia”.”Não tenho tempo suficiente”.Quantas pessoas todos os dias não repetem essas frases como uma ladainha.Eis uma questão cada vez mais presente na vida das pessoas: TEMPO.No grande esquema das coisas,cada um de nós tem apenas uma hora para suportar e se irritar,como disse Willian Shakespeare(1564-16160.Para a grande maioria das pessoas na sociedade atual cada dia parece mais febril do que o anterior.Cada hora parece abarrotada de coisas por fazer num tempo escasso.
Existe um desassossego diante do tempo.As pessoas devem iniciar o surpreendente aprendizado da lentidão. É preciso cultivar o sentimento de se situar de maneira diferente no tempo.A coisa mais preciosa é tomar distância em relação ao tempo,escapar à sua tirania.Cada pessoa mantém com o tempo vivido relações elásticas.
Vejamos um exemplo,nos meus tempos de faculdade eu tinha uma colega que vivia queixando-se de falta de tempo para estudar,pesquisar,participar de congressos,etc.Porém,constantemente ouvia-se a mesma comentar das muitas festas que participava,tinha hábitos de noctâmbula.Portanto,diante do tempo mesmo que escasso,temos a questão da opção,das prioridades,da vontade de utilizar o tempo como convém.A experiência subjetiva permite uma outra atitude com relação ao tempo.Vemos os efeitos do tempo,mas ninguém pode dizer que já viu o próprio tempo.
Não envelhecemos todos da mesma maneira.A felicidade queima o tempo,que os dias felizes passam depressa,e que a miséria o alonga.Assim não vivemos todos no mesmo tempo subjetivo.É como num quadro de Poussin ou de Magritte,no qual observamos vários enfoques do tempo.Ou,em certas peças de Shakespeare,como por exemplo Otelo.Os artistas brincm com o tempo,como no poema do persa Saadi que Juliete Gréco canta: “Mal entro em teu quarto já se abre a porta do dia.Eu te vejo,te tomo nos braços,a porta do dia se abre.A noite num instante se dissolve.O tempo se vinga de nossos prazeres”.Uma história extraída do poema épico hindu Marahharata(400 a.C) conta o seguinte: “Um mestre e seu discípulo andam pelo campo e param debaixo de uma árvore.Faz calor,sentam-se.O mestre diz ao discípulo: ‘Vejo um poço lá adiante.Podes ir me buscar um pouco de água?”.O jovem discípulo vai até o poço.Encontra lá uma menina.Os dois se olham com simpatia.Conversam.O rapaz se oferece para lhe tomar o cântaro e transportá-lo.Vão até a aldeia.À medida que o conto se desenrola,a gente percebe que o tempo começa a aparecer.A menina apresenta o rapaz à família.Está encantado com a menina.Finalmente casam-se.Tem filhos.A vida se escoa normal até que de repente ele se lembra,de que deve levar água a seu mestre.Abandona a aldeia,enche a tigela de água e chega à árvore sob a qual encontra seu mestre.No clarão de um olhar trocado com a menina talvez se tenha passado tudo isso.Mas essa vida terá sido realmente vivida? O sonho é a verdadeira vitória sobre o tempo,ele mesmo tem muitas vezes de enfrentar o tempo.Baruch Espinosa(1632-1677) diz que em cada instante,aqui e agora,somos imortais.O escritor espanhol José Bergamín,falava nesse sentido da “instantaneidade eterna”.Nossa vida,diz Bergamín,é uma experiência perplexa e extasiada do temporal.É uma série de momentos históricos atravessada por instantes de eternidade.

Quando um acontecimento nos fascinou,uma expressão comum diz que “o tempo parou”.Numa época de tão grande avanços tecnológicos em diversos setores,as pessoas não tem tempo para si mesmas e nem para os outros,enfim não tem tempo para viver! E na correria alucinada essa vida se torna um simulacro e perde sua densidade humana.O poeta Mário Quintana(1906-1984) talvez captou essa realidade ao dizer: “Um dia...prono!...me acabo.Pois seja o que tem de ser.Morrer: que me importa? O diabo é deixar de viver!”.
É o desafio de viver uma vida digna,humanizante e aberta ao transcendente.Encarar cada instante do nosso tempo como uma oportunidade que Deus nos concede para fazer algo construtivo.O mais importante não é a quantidade de tempo que cada pessoa tem à disposição.A ninguém é dado sabê-lo de antemão.Entramos na vida num ponto determinado mas,uma vez que empreendemos o caminho,a incógnita do ponto final nos acompanha sempre,e só se elucida quando ele chega.
O tempo é um grande presente que Deus nos confia.Devemos saber empregar bem o tempo de que dispomos.Quantas pessoas gastam o seu tempo tão obsessivamente preocupados somente em acumular riquezas,em buscar avidamente o prestígio e o poder.Já reparou na maneira admirável como aquele cuja existência é breve sabe administrar bem seu tempo de vida? Isso podemos notar nas vidas de Mozart e de Rimbaud.Devemos aproveitar o tempo do modo mais inteligente.
Diante da condição da temporalidade do homem e da mulher e das questões que suscita na existência de cada um,é pertinente as palavras do poeta alemão Rainer M.Rilke(1875-1926): “Não busque por enquanto respostas que não lhe podem ser dadas,porque não as poderia viver.Viva por enquanto as perguntas.Talvez depois,aos poucos,sem que o perceba,num dia longínquo,consiga viver a resposta”.
“Tempus fugit...” Quem sabe que o tempo está fugindo descobre,a beleza única do momento que nunca mais será...

Prof.José Pereira da Silva